sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Esperanças e Contradições

       
           
            - Oi.
            - Olá, estou ótima!E você?

            Essa foi a primeira mentira que Martha contou.

            Desde a primeira vez em que ele a viu, Kaio logo percebeu que poderia estar apaixonado. Era diferente de tudo o que havia sentido antes. Naquele dia a biblioteca estava vazia, a chuva cai lá fora amaldiçoando com força quem ela atingia enquanto era amaldiçoada por quem estava abrigado dela.
            Foram seletas às vezes em que ele teve coragem pra iniciar uma conversa com alguma mulher. Todas as outras resultaram em um fracasso total, ou como ele costumava dizer, um “erro crítico nos dados da vida”. Mas daquela vez, naquele “Olá”, ele sentiu que podia ser diferente.
           
            Martha estava chateada. Havia combinado com seu paquera que se encontrassem na biblioteca municipal, onde se beijaram pela primeira vez, mas o rapaz, com certo ar de desdém, disse que não iria vê-la, pois tinha outros interesses no momento. Discutiram por telefone e quando entrou na biblioteca a chuva se iniciou. Ilhada e agora sem sinal no celular, ela olhava para janela com um semblante triste e um livro de magia nas mãos, tentando imaginar o que sucederia para piorar aquilo.
            Impressionada com a saudação do desconhecido e o sorriso jovial, com a sagacidade feminina de praxe, resolveu dar trela ao rapaz pra ver o que poderia dar, e celebrando o famoso protocolo social ela respondeu afirmativamente o rapaz, perguntando sem se importar se ele estava bem. Haveria de se vingar de ter sido feita de trouxa pelo outro.

            - Que bom! Te vi meio pensativa olhando na janela. Parecia um pouco chateada, é a chuva, né? Queria estar em casa? – empolgado, Kaio fazia uma pergunta atrás da outra, sem perceber o sorriso sincero nos olhos.
            - É, é sim, preocupada com a chuva, sim. Queria estar em casa agora, enrolada em meu cobertor e deitada na minha cama. – Martha omitia em meio às palavras a sua real preocupação e seu desejo de estar deitada com outro alguém.
            - Engraçado como uma mesma situação pode ser vista por diversos ângulos. A vida é mesmo interessante. Eu estou exatamente no lugar onde queria estar. Não deseje o que não se tem moça, deseje saber como aproveitar melhor o que já tem. Aposto que você tem muito mais do que pensa. – Kaio evitava olhar dentro de seus olhos, mas a moça não parecia fazer o mesmo.
            - Pois é... Tem razão. Eu deveria já saber disto. Qual seu nome? – Martha perguntou com um sorriso. Sabia como se insinuar com casualidade.
            - Meu nome é Kaio, e o seu?
            - Sou Martha. Prazer Kaio. Senta aqui comigo, vamos nos conhecer melhor.
            Parecia um sonho se tornando realidade. Nunca acreditaria que uma garota como aquela poderia lhe dar uma chance, e mesmo que ele não fosse alguém que poderia ser chamado de experiente, claramente podia perceber uma brecha da garota.
            E conversaram durante horas. A chuva que caia pesada ia se tornando mais branda, diluindo-se em resquícios de tempestade e ventania, e só o que restara do lado de fora da biblioteca era o tempo nublado e uma perfeita fotografia de romantismo barato em preto e branco. E durante as horas que se passaram, Kaio foi se embrenhando num vasto mundo daquela garota, enquanto ela apenas passava seu tempo, como sempre.

            Dias foram se passando e ambos foram se aproximando cada vez mais. Parecia.  E sem dar sinais ao garoto, Martha foi usando a artimanha dos ciúmes pra reconquistar a atenção do seu amante, que por fim chegou a pedi-la em namoro, que prontamente aceitou.
            Numa noite de céu em tons de cinza, Kaio foi até a casa de sua secreta paixão. Retornava a ela seu livro sobre magia, e filosofava consigo mesmo sobre a Lei Tríplice, imaginando que todo amor que havia dedicado ao mundo estava agora sendo doado de volta. Quando tocou a campainha esperando ser recebido por Martha, seu namorado abriu a porta encarando-o com um olhar austero.
            - Quem deseja?
            - Kaio, amigo dela. Queria entregar uma coisa. – olhava meio assustado com as feições sisudas e o porte corpulento do rapaz.
            - Sou o namorado dela. Pode deixar comigo que está tudo bem.
            A confiança depositada em alguém que só existia de fato em sua mente estava sendo quebrada em uma única oração. O custo de acreditar na realidade é muito caro pra alguns. Somente a confusão restou. E com ela, ele só conseguiu perguntar:

            - Oi?


Guilherme Euripedes

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Penso, logo posto.