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Oi.
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Olá, estou ótima!E você?
Essa
foi a primeira mentira que Martha contou.
Desde
a primeira vez em que ele a viu, Kaio logo percebeu que poderia estar
apaixonado. Era diferente de tudo o que havia sentido antes. Naquele dia a biblioteca
estava vazia, a chuva cai lá fora amaldiçoando com força quem ela atingia
enquanto era amaldiçoada por quem estava abrigado dela.
Foram
seletas às vezes em que ele teve coragem pra iniciar uma conversa com alguma
mulher. Todas as outras resultaram em um fracasso total, ou como ele costumava
dizer, um “erro crítico nos dados da vida”. Mas daquela vez, naquele “Olá”, ele
sentiu que podia ser diferente.
Martha
estava chateada. Havia combinado com seu paquera que se encontrassem na
biblioteca municipal, onde se beijaram pela primeira vez, mas o rapaz, com
certo ar de desdém, disse que não iria vê-la, pois tinha outros interesses no
momento. Discutiram por telefone e quando entrou na biblioteca a chuva se
iniciou. Ilhada e agora sem sinal no celular, ela olhava para janela com um
semblante triste e um livro de magia nas mãos, tentando imaginar o que
sucederia para piorar aquilo.
Impressionada
com a saudação do desconhecido e o sorriso jovial, com a sagacidade feminina de
praxe, resolveu dar trela ao rapaz pra ver o que poderia dar, e celebrando o
famoso protocolo social ela respondeu afirmativamente o rapaz, perguntando sem
se importar se ele estava bem. Haveria de se vingar de ter sido feita de trouxa
pelo outro.
-
Que bom! Te vi meio pensativa olhando na janela. Parecia um pouco chateada, é a
chuva, né? Queria estar em casa? – empolgado, Kaio fazia uma pergunta atrás da
outra, sem perceber o sorriso sincero nos olhos.
-
É, é sim, preocupada com a chuva, sim. Queria estar em casa agora, enrolada em
meu cobertor e deitada na minha cama. – Martha omitia em meio às palavras a sua
real preocupação e seu desejo de estar deitada com outro alguém.
-
Engraçado como uma mesma situação pode ser vista por diversos ângulos. A vida é
mesmo interessante. Eu estou exatamente no lugar onde queria estar. Não deseje
o que não se tem moça, deseje saber como aproveitar melhor o que já tem. Aposto
que você tem muito mais do que pensa. – Kaio evitava olhar dentro de seus
olhos, mas a moça não parecia fazer o mesmo.
-
Pois é... Tem razão. Eu deveria já saber disto. Qual seu nome? – Martha perguntou
com um sorriso. Sabia como se insinuar com casualidade.
-
Meu nome é Kaio, e o seu?
-
Sou Martha. Prazer Kaio. Senta aqui comigo, vamos nos conhecer melhor.
Parecia
um sonho se tornando realidade. Nunca acreditaria que uma garota como aquela
poderia lhe dar uma chance, e mesmo que ele não fosse alguém que poderia ser
chamado de experiente, claramente podia perceber uma brecha da garota.
E
conversaram durante horas. A chuva que caia pesada ia se tornando mais branda,
diluindo-se em resquícios de tempestade e ventania, e só o que restara do lado
de fora da biblioteca era o tempo nublado e uma perfeita fotografia de
romantismo barato em preto e branco. E durante as horas que se passaram, Kaio
foi se embrenhando num vasto mundo daquela garota, enquanto ela apenas passava
seu tempo, como sempre.
Dias
foram se passando e ambos foram se aproximando cada vez mais. Parecia. E sem dar sinais ao garoto, Martha foi usando
a artimanha dos ciúmes pra reconquistar a atenção do seu amante, que por fim
chegou a pedi-la em namoro, que prontamente aceitou.
Numa
noite de céu em tons de cinza, Kaio foi até a casa de sua secreta paixão. Retornava
a ela seu livro sobre magia, e filosofava consigo mesmo sobre a Lei Tríplice,
imaginando que todo amor que havia dedicado ao mundo estava agora sendo doado
de volta. Quando tocou a campainha esperando ser recebido por Martha, seu
namorado abriu a porta encarando-o com um olhar austero.
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Quem deseja?
-
Kaio, amigo dela. Queria entregar uma coisa. – olhava meio assustado com as
feições sisudas e o porte corpulento do rapaz.
-
Sou o namorado dela. Pode deixar comigo que está tudo bem.
A
confiança depositada em alguém que só existia de fato em sua mente estava sendo
quebrada em uma única oração. O custo de acreditar na realidade é muito caro
pra alguns. Somente a confusão restou. E com ela, ele só conseguiu perguntar:
-
Oi?
Guilherme Euripedes
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Penso, logo posto.